Não pode existir uma democracia estável e saudável onde as desigualdades sociais e de rendimentos sejam demasiado elevadas. Onde não exista uma vasta classe média com aspirações e poder de compra. Onde não sejam assegurados suficientes mecanismos de ascensão económica e social. Por alguma razão, ou seja, por todas estas razões, foram o desenvolvimento e a criação de uma classe média fortalecida, que no tempo da ditadura era apenas embrionária, as grandes preocupações do regime saído do 25 de Abril. Umas vezes tal correu bem; outras menos bem. Mas ninguém poderá, de boa fé, negar que os objectivos foram alcançados: com a opção europeia o país desenvolveu-se e conseguiu fazer crescer e fortalecer a sua classe média, assegurando as necessárias possibilidades de ascensão social e a estabilidade democrática ao centro (esquerda e direita).
Foi este "status quo" que as políticas dos últimos quatro anos puseram em causa, enfraquecendo e empobrecendo a classe média e substituindo as possibilidades reais de ascensão social, para muitos, mesmo os mais "remediados", pelo aconselhamento à emigração, enfraquecendo assim as estruturas económicas e sociais garantes da democracia e do bem -estar. Com elas gerou-se o radicalismo e a desertificação de um centro político que até aí tinha assegurado a governabilidade.
Ora, é pois a recuperação desses valores perdidos, que foram sempre os que asseguraram a estabilidade democrática, a principal tarefa do actual governo. António Costa e o PS parecem tê-lo compreendido, optando por pôr de parte os radicalismos, por definir um programa social-democrata moderado e por construir um governo composto por nomes sem grandes cedências à sua esquerda. Que PCP e BE tenham aceitado juntar-se à tarefa e que PSD e CDS, nas suas críticas, não consigam ultrapassar a "vulgata" é bem sinal do grau de destruição e de radicalismo em que uma direita, que nem sequer consegue compreender os mecanismos que asseguram a democracia, fez cair o país.