quinta-feira, setembro 10, 2015

Um debate clarificador

  1. Talvez mal aconselhado pelos seus "spin doctors" - uma espécie de "jovens turcos" voluntaristas e radicais -, talvez também influenciado pelas redes sociais onde esse radicalismo, a par do primarismo ideológico e do raciocínio imediatista, dominam, Pedro Passos Coelho ainda não percebeu as limitações do "efeito Sócrates", isto é, que ao invocar os "medos sócratistas" está a falar quase exclusivamente para o núcleo duro dos seus votantes, já que a maioria dos eleitores já percebeu que não só o perfil pessoal de António Costa está nos antípodas do de Sócrates, como não existe semelhança alguma entre o voluntarismo e até irascibilidade política do ex-primeiro- ministro e as cautelas e contenção, por vezes até em excesso, do actual líder do Partido Socialista, expressas de forma clara no programa eleitoral apresentado. Que Pedro Passos Coelho continue a insistir no "efeito Sócrates" é tudo o que o PS e Costa podem desejar.
  2. Situação idêntica funciona (ou não funciona, para Pedro Passos Coelho) no caso Syriza. Se a eleição do Syriza significou alguma esperança, saudada por todos os que, à esquerda e à direita, se opõem ao actual e "quase único" pensamento dominante, cedo ficou também claro para todos, incluindo para o PS e até mesmo, por outros motivos, para a esquerda radical do "Bloco", que a estratégia estaria condenada ao fracasso. E isso mesmo se reflecte no programa eleitoral do PS, que vai tão longe quanto o actual "estado da arte" da UE o permite, sem pôr frontalmente em causa, ao estilo "derrubar o muro à cabeçada", os seus fundamentos. Na realidade, estamos perante uma estratégia cautelosa,  claramente oposta à do Syriza, e muito fácil será para António Costa, que tem fama de tudo menos de ser um temível radical, explicá-la aos eleitores.
  3. O debate de ontem provou que basta a António Costa, que tem "lastro" enquanto pessoa, cidadão e político, ser um pouco mais autêntico e menos defensivo, pondo de lado as demasiadas cautelas, o estilo quase evangélico de quem pede desculpa por estar ali, o medo de ser visto como"radical" e optando por uma atitude mais pro-activa e por afirmações mais claras, para colher dividendos políticos. Espero o tenha percebido e aprendido a lição. 
  4. Devo dizer que não entendo a opinião dos que afirmam o debate não terá sido esclarecedor. Pelo contrário, desde o PREC e do célebre debate Soares/Cunhal que não me lembro de estarem "frente a frente" duas propostas tão claras e antagónicas. De um lado, o de António Costa, aquela de todos os que se reconhecem nos valores tradicionais da social-democracia, da democracia-cristã e do liberalismo social que criaram a UE e construíram as modernas sociedades e democracias europeias do século XX e do pós-guerra; do outro, o de Pedro Passos Coelho, o lado onde se acolhem todos o que perfilham o conservadorismo mais retrógrado e as emergentes ideologias neo-conservadoras e ultra-liberais, incluindo as suas franjas mais radicais. Depois do debate de ontem, ninguém se pode queixar de não poder escolher com clareza o seu lado.

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