Numa época em que a "transparência" (leia-se, "a devassa do Estado e da vida privada") são elevados à categoria de valor supremo, sou dos que pensam o Estado se deve permitir a gestão da informação para si considerada relevante, e que, em outro plano, mais pessoal, é importante para o equilíbrio de cada um manter uma reserva de intimidade sobre muitos dos aspectos da sua vida privada. Falando mais claro, fui educado nos princípios de que não temos o direito de incomodar demasiado os outros com os nossos problemas e desgostos e, até mesmo, devemos ser contidos nas nossas manifestações de júbilo pelos sucessos e êxitos alcançados, já que, se o não formos, arriscamo-nos e ser desagradáveis para quem, por uma ou outra razão, não os conseguiu ou passa por dificuldades.
Quando falamos do Estado e dos detentores de cargos de soberania, estes princípios tornam-se ainda mais relevantes, pois qualquer atitude tem uma valor político e, como tal, arrisca-se sempre a ser avaliada também em função disso. Por alguma razão existe nos Estados civilizados um conjunto de normas e procedimentos que regulamentam os comportamentos dos titulares de cargos públicos (o chamado "Protocolo do Estado") e também não é por acaso que é no Reino Unido, onde a família real é obrigada à mais estrita neutralidade, que essas normas são mais rigorosas, muitas vezes sendo até tidas por ridículas por muitos dos que ignoram as razões que as fundamentam. Tivemos, aliás, agora um bom exemplo quando Lewis Hamilton foi chamado à atenção por Isabel II sobre as normas a adoptar durante um almoço oficial, uma norma que evita a rainha dê mais atenção a "A" do que a "B", sugerindo qualquer tipo de preferência ou favorecimento.
Vem este "arrazoado" a propósito da mulher do primeiro-ministro e da visita oficial de ambos a Cabo Verde e à Guiné-Bissau. Laura Ferreira não é uma qualquer cidadã: é mulher do primeiro-ministro de Portugal e estava em visita oficial. Como tal, deveria ter feito um maior esforço para evitar a demonstração pública da sua doença, o que, não tendo sido feito, teve como imediata consequência a sua exploração política, à esquerda e à direita (ninguém saiu ileso), abrindo caminho a que se pense tal não terá acontecido por acaso. Algum pudor na forma como se apresentou em público teria sido, no mínimo, atitude mais adequada e consentânea com o lugar que ocupa de mulher do primeiro-ministro. No limite, esgotadas outras possibilidades - por muito que tal lhe custasse pois a Guiné-Bissau, tanto quanto sei, é o país onde nasceu - poderia até ter-se concluído ser decisão mais adequada não viajar. Mas, de facto, cada um rege-se pela educação que recebeu e pelos princípios que são os seus, e é em função disso que existe o tal "Protocolo do Estado". Que neste caso será talvez omisso, falhou ou não soube impor os princípios pelos quais se rege. Infelizmente, não é a primeira vez.
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