quarta-feira, janeiro 31, 2007

A Igreja católica, o aborto e a intervenção política

Conforme já afirmei em post anterior, ao colocar a questão do aborto em referendo, em 1998, a Assembleia da República deixou que se deslocasse para o campo da moral e da religião um assunto eminentemente de ordem política. Colocou, assim, nas mãos da Igreja Católica, cuja influência é largamente dominante em Portugal naquelas duas áreas, uma capacidade de intervenção política que nos últimos anos esta nunca tinha conseguido lograr.

Frederico García Lorca (7)

"Busto de Antoñito el Camborio con la Luna arriba" (1930). Ilustração de FGL para "Romancero Gitano".

Lisboa...

Pois mal ficaria eu se, “alfacinha de gema” filho e neto de “alfacinhas” no meu lado português, nascido em Stª Isabel (onde actualmente vivo), nada dissesse sobre a crise da minha cidade. A primeira coisa a constatar é que Lisboa tem tido azar, ou que os seus habitantes têm escolhido mal entre as, infelizmente não muito brilhantes, alternativas que lhes têm sido propostas. Do mal o menos, e falta de originalidade à parte, terá sido a vereação de João Soares a que mais se aproximou da nota positiva. Confesso que a personagem não me é demasiado simpática, mas quem vê caras não vê corações e... politique d’abord. Exactamente por isto, outra constatação, é que um município com a importância de Lisboa tem de ser dirigido por um político experiente e com peso na respectiva área partidária e no Estado, não por um independente “fazedor” ou alguém que se tenta fazer passar por isso. Espero que os “alfacinhas” o tenham finalmente entendido e, antes deles, os respectivos aparelhos partidários, já que bem podemos agradecer também ao último candidato apresentado pelo PS e à má preparação das duas últimas campanhas o caos entretanto instalado. Lisboa precisa de políticos bem preparados e empenhados, consistentes, e os bons exemplos de Mª José Nogueira Pinto e Rúben Carvalho aí estão para o provar.

Dizer que Lisboa precisa de uma estratégia (que actualmente não tem) coerente com o que queremos a cidade seja daqui a 20, 30 ou 50 anos não é nada de novo, claro. Pode mesmo passar por banalidade. E precisa de incluir nessa estratégia uma reorganização administrativa que acabe com as “não sei quantas freguesias” (algumas com poucas centenas de habitantes) e as substitua por uma dúzia de unidades territoriais homogéneas dotadas de maior autonomia e capacidade de acção e decisão (e responsabilidade, também). Mas também precisa, no curto prazo, de saber resolver os seus pequenos problemas do “dia a dia”, desde as armadilhas em que os passeios se transformaram, aos “cócós” de cão espalhados a esmo. Passando, também, pelos “ecopontos” transformados em lixeiras, os gatos vadios, a necessidade de recolha de lixo “separado” porta a porta, o estacionamento a esmo e por aí fora - posso apresentar uma lista completa. Quem não for capaz de resolver estes, e outros, pequenos problemas decerto não conseguirá resolver os mais graves, a exigir outro fôlego, outro prazo e uma situação financeira mais folgada. No curto prazo, Lisboa precisa, pois, de dignidade; a exigida à capital e maior cidade do país, mas que não é mais – e não nos esqueçamos disso – do que a 5ª ou 6ª do espaço ibérico.

Eleições? Sim, claro, mas apenas se o maior partido da actual oposição camarária souber construir, em conjunto ou isoladamente, uma alternativa credível e com condições para se tornar duradoura, dentro dos parâmetros acima descritos. Caso contrário... Estará o PS disposto a isso? Nessas condições, dificilmente arriscará uma derrota.

Milly Possoz e o "Estado Novo" (15)

Ilustração de Milly Possoz para o poema "O Lavrador" de A. Lopes Vieira. Em "O Livro da Segunda Classe" (1958)

terça-feira, janeiro 30, 2007

Fotografias (9)

"Espinhos" - Fotografia de JC

The Classic Era of American Pulp Magazines (24)

Ilustração de John Newton Howett para "Startling Mystery" (Outubro de 1935)

O referendo, a política e a moral

Em 1998, o PS, ao aceitar submeter a referendo a lei sobre o aborto, inviabilizando qualquer decisão futura que por aí não passasse (seria politicamente inaceitável alterar na AR uma decisão anteriormente referendada, vinculativa ou não, como pretende o PCP), permitiu, de facto, que resvalasse para o campo da moral e da religião aquilo que deveria ser, na sua essência, uma discussão política baseada em argumentos de ordem idêntica. Ao fazê-lo, sob a capa de algo aparentemente tão "democrático" como o recurso à democracia directa, está, isso sim, a contribuir, na prática e com esta sua acção, para o enfraquecimento do estado democrático, baseado no primado da política, na eleição representativa e na laicidade das suas instituições. É um caminho perigoso que esperemos acabe bem.

Grandes Séries (2)

"Spooks" (em português, "Dupla Identidade") regressa hoje às 21.30h, com a sua primeira "temporada" de episódios, ao "People + Arts" (tem andado pela BBC Prime). É a oportunidade de ver, ou rever, esta série sobre o MI5 desde o ínicio (espera-se) com os excelentes Matthew Macfadyen no papel de Tom Quinn (aqui neste vídeo) e a minha favorita Keeley Hawes como Zoe Reynolds. "One of the best things on British TV" - user comment na IMDb.

Porque vou votar "SIM"

Existe demasiado ruído à volta da questão do aborto, o que dificulta que nos debrucemos sobre aquilo que na realidade é essencial, a questão-chave que determina todas as outras. E essa é uma questão política:

  1. A actual lei não é aplicada por demonstrar ser perfeitamente inadequada aos sentimentos gerais dominantes na sociedade. É uma lei que desprestigia a democracia e enfraquece a autoridade do estado.
  2. A mesma lei não impede o recurso ao aborto; apenas as empurra, consoante o seu estatuto económico-financeiro, para o aborto clandestino, na prática tolerado, em clínicas privadas que todos conhecemos ou realizado em condições degradantes e de risco agravado. Ou então no estrangeiro.
  3. É portanto uma solução socialmente injusta e que alimenta um sector florescente da economia paralela.
  4. A aprovação da lei proposta a referendo irá contribuir para diminuir os casos de aborto clandestino, diminuindo o risco da intervenção e ajudando a combater a economia paralela. E deixa á consideração de cada um aquilo que na verdade é uma questão de consciência, do foro íntimo dos que têm de decidir: a decisão de abortar.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

William Blake: "Songs of Innocence and of Experience" (1)

William Blake: "Frontispiece to Songs of Innocence"

Grandes Séries (1)



"Portrait Of A Marriage" (1990)

"The BBC's story of early 1900's writer and aristocrat, Vita Sackville-West and her marriage to British diplomat Harold Nicolson. Both Vita and Harold were attracted to members of the same sex. Vita is most well known for her liaison with Virginia Woolf; but the only affair that threaten to destroy Vita and Harold's amicable union was Vita's relationship with childhood friend Violet Keppel."

domingo, janeiro 28, 2007

VPV, os comentadores e o concurso da Srª D. Elisa

Vasco Pulido Valente no “Público” de hoje e a propósito do concurso da RTP: “estranho caso o de um país que se revê em Salazar e Cunhal”.

Estranho caso, este - acrescento eu -, de um país em que a maioria dos seus comentadores de referência não resiste a pronunciar-se e entrar no debate sobre um concurso de televisão idiota, sem qualquer representatividade e que se destina a realizar o impossível: eleger, no século XXI e em função dos seus valores e modelos, o melhor português de sempre, seja lá o que isso for. E que tal se voltassem à milionésima análise sobre as relações Cavaco /Sócrates?

O Mundo em Guerra (25)

Germany

Michel Platini e a UEFA

Contrariamente ao que diz Luís Sobral, não estou convencido que a eleição de Michel Platini para presidente da UEFA seja uma boa notícia. As suas “propostas bandeira”, que certamente estiveram na base da sua eleição, não só me parecem não contribuir para resolver nenhum dos problemas fundamentais do futebol europeu, como se me afiguram puramente eleitoralistas, no sentido apenas de agradar às pequenas federações e assim assegurar os seus votos. Em primeiro lugar, não penso traga nada de positivo a redução a um máximo de três clubes por federação a participação na “Champions League”, talvez o maior sucesso da UEFA nos últimos anos. Antes pelo contrário, vai afastar alguns grandes clubes pertencentes às principais ligas, diminuindo a competitividade e interesse desportivo e financeiro da “Champions”. Em segundo lugar e só por si, a entrada na taça UEFA de mais três ou quatro equipas das principais ligas não vai resolver o problema do relativo falhanço desta competição, que necessita de uma remodelação mais profunda acabando com os desinteressantes, por pouco competitivos, grupos de cinco equipas para apurar três, a questão fundamental a curto prazo. No mesmo sentido vai a proposta de aumentar o número de selecções finalistas do Europeu (que não estou recordado se vem já da presidência anterior), retirando competitividade a mais uma competição de sucesso e tornando a fase de apuramento um passeio para as principais selecções. Parecem-me mexidas a mais onde tudo está bem (muito bem mesmo), devendo, isso sim, a UEFA centrar as suas atenções e energias naquilo que são, de facto, os verdadeiros key issues: resolver o problema da falta de competitividade e de sucesso financeiro da taça UEFA, e encarar de frente a hipótese de fusão de algumas ligas mais pequenas (i.e. Benelux ou Balcãs) ou mesmo a sua absorção por ligas mais importantes (Escócia por Inglaterra ou Portugal por Espanha, por exemplo), resolvendo o problema da sua competitividade e solvabilidade financeira e contribuindo assim, a prazo e de modo indirecto, para a resolução do mesmo problema a nível da taça UEFA.

sábado, janeiro 27, 2007

Sábado, 27 de Janeiro de 2007

M:
Why don't you ask him?
V:
You know, I don't see what there is to be cagey about, Mr. Marlowe. And I don't like your manners.
M:
Well, I'm not crazy about yours. I didn't ask to see you. I don't mind if you don't like my manners. I don't like them myself. They're pretty bad. I grieve over them long winter evenings. And I don't mind your ritzing me, or drinking your lunch out of a bottle, but don't waste your time trying to cross-examine me.
V:
People don't talk to me like that.
M:
Ohhh.
V:
Do you always think you can handle people like, uh, trained seals?
M:
Hmm, hmm. I usually get away with it, too.
V:
How nice for you.
V:
You go too far Marlowe.
M:
Those are harsh words to throw at a man, especially when he's walking out of your bedroom.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

História(s) da Música Popular (28)


"The Flamingos" - "I Only Have Eyes For You"

"The Cleftones" - "For Sentimental Reasons"
Doo-Wop (III)
Ora vamos lá a dois dos grupos mais importantes do “Doo Wop”. Os Flamingos são originários de Chicago (a windy city) e foram formados em 1952. O seu êxito mais importante foi “I’ll Be Home” mas... na voz de Pat Boone (azar!!!). “I Only Have Eyes For You”, que aqui se pode ouvir, chegou a #11 e é um “standard” do “Doo Wop”. É um cover de um original de Dick Powell, gravado por este em 1934! Art Garfunkel gravou-o também mas um pouco mais tarde, em 1975.

Já os Cleftones nasceram para estas coisas no bairro novaiorquino de Queens (o tal assim chamado em homenagem a Dona Catarina de Bragança, mulher de Carlos II de Inglaterra), parece que em campanha eleitoral para a associação de estudantes do liceu local. “Heart And Soul” e “Little Girl Of Mine” foram os seus maiores êxitos, mas este "(I Love You) For Sentimental Reasons” é, em si mesmo, quase um resumo de intenções do “Doo Wop”. Aqui fica!

O Cardeal Patriarca hoje na RTP1

A presença do Cardeal Patriarca de Lisboa hoje na "Grande Entrevista" de Judite Sousa (na RTP 1, serviço público de televisão), a quinze dias do referendo sobre o aborto onde a Igreja Católica tem demonstrado não só ser parte interessada como manifestamente interveniente – e não se vislumbrando qualquer outra questão de actualidade que a justifique - vem colocar algumas questões interessantes e importantes:

  1. Em primeiro lugar que longe vão as intenções expressas por D. José Policarpo em deixar para os leigos o fundamental da discussão sobre o assunto; a hierarquia católica tem-se envolvido de forma bem directa na discussão, por vezes num tom demagógico ou até mesmo manifestando intenções persecutórias e inquisitoriais que se julgariam remetidas para a memória dos tempos. Estou certo não será esse o caso do Patriarca de Lisboa, personalidade de estatura cívica e intelectual insuspeita, mas seria bom ouvir-lhe uma palavra crítica sobre esses casos. Não discuto a legitimidade da Igreja para participar directamente na discussão (a sua rádio oficial assumiu mesmo uma posição e tem todo o direito de o fazer), mas apenas a não conformação com as intenções expressas, o que retirará aos bispos portugueses qualquer autoridade futura para criticar comportamentos semelhantes a personalidades de outras áreas (i.e. políticos).

  2. Em segundo lugar, tratando-se do serviço público de televisão, que deveria manter uma posição de neutralidade e independência e não sendo a Igreja Católica parte integrante de nenhum dos movimentos ou grupos de cidadãos legalizados (ou constituindo-se ela própria como tal), questiona-se a oportunidade e legitimidade da entrevista a quinze dias do referendo, concedendo aos partidários do “Não” um tempo de antena suplementar, ainda mais através daquele que é, de facto (pela posição que ocupa), a sua personalidade mais influente e destacada.

Frederico García Lorca (6)

"Dos membrilos", 1930 - Ilustração de FGL para "Romancero Gitano"

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Anglophilia (25)


Lord's: "The Home of Cricket"

A Guerra Aqui (mesmo) Ao Lado (12)

Cartaz de Carles Fontseré para a F.A.I. (1936)

"Trivia": "dress code" e "teleponto"

Falta de assunto sério, dediquemo-nos a trivialidades, antes que corra o risco de falar de assuntos tão importantes como o dos “grandes portugueses” da Srª D. Elisa, que, pelo vistos, ocupa a mente e os bites de muitos portugueses cultos e ilustres.

Pois no “Público” de hoje (não "linkável", claro), Rui Ramos escreve sobre o QREN. Mas não, não é essa a trivialidade de que vou falar, até porque não só não o é como subscrevo, na generalidade – mais “coisa” menos “coisa” -, o que RR diz sobre o assunto. Vou, isso sim, falar de dress codes e “telepontos”. Trivialidades, pois claro, reconheço-o perfeitamente. E que têm RR e o QREN a ver com tudo isto? Bom... é que RR começa hoje assim o seu artigo: ...”O primeiro-ministro põe o seu melhor fato e o seu melhor “teleponto”, blá, blá blá...” e isso traz-me à memória não só que os portugueses escarnecem, em geral, dos dress codes como também o uso de teleponto, por parte de José Sócrates, foi repetidamente glosado em termos jocosos por uma boa parte da comunicação social, pelo menos no início do seu mandato. E mal! Ou seja, nem os portugueses têm razões para escarnecer dos dress codes nem a comunicação social para "gozar" com a utilização do “teleponto” por parte de José Sócrates. Ora senão vejamos, e vamos por partes.

Os dress codes estão, hoje em dia, bastante aligeirados, mas independentemente de questões práticas (não dá jeito nenhum ir para a praia de fato e gravata ou jogar ténis de sobretudo), eles têm permitido, ao longo dos anos, marcar a importância e solenidade dos acontecimentos. Vestimo-nos de modo mais formal para um casamento ou um enterro, por exemplo, porque são considerados, cada um de seu modo, acontecimentos únicos e solenes, e o próprio traje utilizado contribui para essa solenidade, conferindo-lhe, inclusivamente, um mood and tone adequados. Vestimos fato e gravata para trabalhar, em certas profissões, porque estamos num terreno de relações formais, mas se essa profissão se exercer numa área onde o relacionamento é mais informal (nas áreas “criativas”, por exemplo) o nosso dress code acompanha essa maior informalidade, dispensando o fato completo e gravata. Do mesmo modo, o dress code é mais conservador, e formal, na banca e na advocacia, porque estamos em terrenos tradicionalmente considerados mais “sérios”, onde os negócios têm a ver com o dinheiro e a liberdade (ou a sua restrição) e onde, por isso, devemos inspirar confiança e “solidez” e não “ir com a moda do momento”. Noutra vertente, é um valor assumido que a solenidade dos acontecimentos aumenta com o decorrer do dia, por isso, em termos gerais, é comum um dress code mais formal para um jantar do que para um almoço, o mesmo acontecendo para uma festa à noite se comparada com um cocktail ao fim da tarde. Isto são as questões de base que permitem entender os dress codes, não sendo aqui tempo e local para aprofundamentos e detalhes. Mas, voltando ao primeiro-ministro, se vestiu o seu melhor fato para a apresentação do QREN, fez muito bem, pois embora eu também duvide da eficácia do “dito” QREN, tratou-se seguramente de um momento importante para o governo e para o país.

Quanto ao “teleponto”, ele não é - longe disso - um método “para enganar o pagode”, fingindo que se fala de improviso quando, na realidade, se está a ler. Ou uma manifestação de impotência oratória. O “teleponto” permite, isso sim, que se fale com o rigor conferido por um texto, que está escrito, olhando de frente o público a quem nos dirigimos, o que aumenta a eficácia da comunicação. Permite, também, com alguma facilidade e pouco treino, combinar eficazmente o “à vontade” de um improviso com o rigor de um texto, melhorando assim a comunicação, e facilita a ligação dessa intervenção com a utilização de outros meios audiovisuais (música, slides, filmes, etc). Antes da sua existência e vulgarização, no “dia a dia”, a alternativa era ler um texto ou falar de improviso. No primeiro caso havia a tendência para o discurso; no segundo, ficava-se demasiado na dependência das qualidades de cada um, enquanto orador, e como o melhor improviso é o que foi bem treinado, do tempo disponível para as exercitar.

Dress code e “teleponto” têm assim algo em comum: ambos contribuem para conferir algum rigor e método à nossa vida, algo que, pelos vistos, não agrada lá muito a outros tantos portugueses.

Ainda Torres Novas...

Segundo a TSF, o Conselho Superior de Magistratura decidiu colocar na sua página da internet toda a matéria “de facto” que foi dada como prova no julgamento de Torres Novas. Louva-se a iniciativa, mas ela reforça a ideia (expressa em post anterior) de que os juizes portugueses continuam sem perceber o que na realidade se passa, isto é, que o que está em causa não é o seu conhecimento estrito das leis e a sua capacidade de, desse mesmo modo, as aplicar, mas a sua dificuldade em julgar e decidir com justiça em casos mais complexos, quando uma decisão “justa”, além dessa vertente de base, engloba outras de indiscutível relevância. Em seu abono, apesar da decisão contestável, diga-se que o caso não me parece ser tão linear quanto alguma demagogia à solta tem tentado fazer crer.

terça-feira, janeiro 23, 2007

When I Look at the Pictures - Lawrence Ferlinghetti (13)

Who are they then
these women in this painting
seen so, deeply long agoModels he slept with
or lovers or others
he came uponcatching them as they were
back then
dreamt sleepers
on moving waters
eyes wide openpurple hair streaming
over alabaster bodiesin lavender currentsDark skein of hair blown back
from a darkened face
an arm flung out
a mouth half open
a hand
cupping its own breast
rapt dreamersor stoned realists
drifting motionless
lost sisters or
women-in-love
with themselves or others
pale bodies wrapt
in the night of women
lapt in light
in ground swells of
dreamt desire
dreamt delightStill strangers to us
yet not
strangersin that first night
in which we lose ourselves
And know each other
Poema de Lawrence Ferlinghetti para "Moving Water" de Gustav Klimt - 1898, Colecção Privada.

As Capas de Cândido Costa Pinto (24)

Capa de CCP para "O Santo e os Anjos da Vingança" ("The Saint In Angels Of Doom") de Leslie Charteris, nº 19 da Colecção "Vampiro"

Milly Possoz e o "Estado Novo" (14)

Ilustração de Milly Possoz para "Seres da Natureza" em "O Livro da Segunda Classe" (1958)

segunda-feira, janeiro 22, 2007

A propósito do julgamento de Torres Novas

Lembro-me, quando criança, que um amigo de pais e tios, corredor de automóveis amador nas horas vagas, costumava dizer que não se podia pedir a alguém que passava 360 dias no ano a guiar o carro de família a 60 à hora que, em dois ou três fins de semana, pegasse num carro de competição e o guiasse competentemente a 200. Não sou jurista. A minha experiência de tribunais resume-se a aprovação por tribunal de família de acordos já estabelecidos entre as partes, comparências perante o juiz por infracções de trânsito (excesso de velocidade) e testemunha em processos que envolviam empresas onde trabalhava. Mas constituindo a esmagadora maioria dos julgamentos questões de pequenos roubos (a maioria ligados ao consumo de droga), de problemas ligados ao pequeno tráfico, a infracções de trânsito, crimes não muito graves de ofensas corporais ou de contencioso legal sem grande complexidade, não me custa a entender que sejam essas as rotinas dos juizes e que a sua formação seja fundamentalmente orientada para a correcta resolução desse tipo de casos. Em função disso, também não me custa nada a entender a dificuldade sentida quando têm que lidar com problemas mais complexos, que ultrapassam em muito essas rotinas e práticas. E até, nestes casos, a sua genuína surpresa perante a controvérsia gerada na opinião pública por alguns dos seus julgamentos.

Ainda o aborto

Por causa de algumas confusões que ainda subsistem por aí: abortar ou não é uma questão de consciência, portanto, do foro íntimo de cada um; legislar sobre as suas condições de acesso e prática é uma questão política, da responsabilidade dos orgãos políticos competentes: Governo e Assembleia da República. Por isso não compreendo como alguns partidos não assumem uma posição clara sobre o assunto, eximindo-se às suas responsabilidades, que justificam a sua existência. Foi assim com o PS no anterior referendo. É assim com o PSD no actual. Em ambos os casos, lamento.

O Mundo em Guerra (24)

UK & CW

Fotografias (7)

"Almofariz" - fotografia de JC.

domingo, janeiro 21, 2007

The Classic Era of American Pulp Magazines (23)

Capa de Reginald Heade para "Crime Confessions" (Junho de 1948)

História(s) da Música Popular (especial)



Não tinha a capacidade de composição de John Phillips (raras são as canções em que o seu nome aparece como co-autor), a voz de "Mama" Cass Elliot, a beleza de Michelle Phillips (sua paixão e uma das causas da separação do grupo), mas Denny Doherty (29/10/1940 - 19/01/2007) foi um dos "Mamas And The Papas", grupo incontornável da História da música popular. "I Got A Feeling" é um dos seus poucos créditos na composição. Aqui fica a homenagem.

"To Have And To Have Not"

Valeu bem a pena a “noitada” para rever “To Have And To Have Not”, ontem na 2:, o “Casablanca” de Howard Hawks, mas, ao contrário do de Michael Curtiz, com um final feliz em que a “pikena” fica com o “rapaz”. Não o via há uns largos anos – penso que muito largos – mas rever Bacall, aos dezanove anos, dominar completamente o écran devolve-nos, com juros, os anos de vida que – dizem – as noitadas contribuem para tirar. É destas coisas que (também) se faz a vida!

A dificuldade dos defensores do "Sim"

Algo enfraquece a posição dos defensores do “Sim” (onde me incluo) no referendo sobre o aborto: enquanto da parte dos defensores do “Não” existe uma posição clara e inequívoca, facilmente comunicável e entendível (são contra o aborto e “pronto”) a posição dos partidários do “Sim” é mais complexa e comporta nuances: não defendemos o aborto mas sim a alteração da lei actual, permitindo um combate mais eficaz ao aborto clandestino. A posição é inatacável, do ponto de vista ético e político, e a única que me parece admissível deste lado; mas a mensagem seguramente muito mais difícil de “passar” e de se fazer entender por uma boa parte da população, neste mundo de sound bytes que se revê demasiado no “preto e branco”. É um desafio...

"Que floresçam mil flores..." (2)


sábado, janeiro 20, 2007

Já que é fim de semana... falemos de futebol

É cada vez mais difícil para o futebol português atrair jogadores estrangeiros de alguma categoria internacional, e dos dois que, sem grande esforço, me permito ainda incluir nessa categoria, um deles, Luisão (o outro será Lucho Gonzalez), vem hoje declarar a “A Bola” que o seu ciclo no S. L. Benfica está a chegar ao fim. E, de facto, se pensarmos no que pode atrair a Portugal um jogador deste tipo, temos dificuldade em encontrar razões. Os principais clubes portugueses debatem-se com problemas financeiros graves, não podendo praticar condições salariais melhores que muitos clubes europeus de nível médio ou médio-baixo. O caso do Sporting é talvez o mais evidente, fazendo “das tripas coração” para reaver um jogador mediano que não se conseguiu impor no “Boro”, um clube do “meio da tabela” da "Premiership", mas não deixa orfãos os dois outros “grandes”, clubes sobredimensionados para a realidade actual de um mercado que cada vez mais se atrofia conquistado pelas grandes ligas europeias. Vale o que vale, mas ainda recentemente, em conversa com familiares e amigos, descobri que, cada vez mais, nos restringíamos, no que diz respeito à TV, a ver apenas os jogos dos nossos próprios clubes, enquanto tentávamos organizar o fim de semana de modo a não perder os principais encontros da "Premiership" ou do campeonato espanhol. Por outro lado – e como se depreende da constatação acima – a liga portuguesa tem uma pequeníssima ou quase nula expressão mediática no estrangeiro, nos grandes mercados, já não constituindo qualquer “montra” para os jogadores que nela participam. Pensando bem, uma possível participação na “Champions League” poderá ainda ser o único objectivo capaz de atrair a Portugal jogadores desse tipo - acima da média - participação essa cuja possibilidade e qualidade tenderá, num futuro próximo e em virtude do decréscimo de valor das equipas, a tornar-se cada vez mais problemática. Penso que chegou a altura de os grandes clubes do futebol português, se quiserem sobreviver dignamente, encararem a globalização e internacionalizarem-se, conquistando novos mercados. Será também a oportunidade para a UEFA se convencer que as pequenas ligas não poderão sobreviver por si sós, e que a sua fusão ou absorção por ligas mais fortes e competitivas será um passo indispensável na restruturação do futebol europeu. Os principais clubes portugueses só teriam a lucrar com isso, competindo com o Real Madrid, Barcelona, Valência e outros numa Liga Ibérica.
Nota: Eu sei que o "Chelsea" jogou com dois centrais improvisados e que "Rafa" Benitez, que não é parvo, explorou a fundo a questão, abdicando finalmente de um futebol hiper-defensivo e colocando Peter Crouch e Dirk Kuyt a darem cabo da cabeça a Paulo Ferreira e Essien. Também sei que o recuo deste desiquilibra o meio campo de Stamford Bridge. Mas, que raio!, fazer coabitar no mesmo meio campo Frank Lampard e Michael Ballack foi penoso de ver, e é mesmo "pôr-se a jeito" para levar um "banho de bola". Foi o que aconteceu.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Clássicos do Cinema (22)

" Das Indische Grabmal" de Fritz Lang - 1959

" Der Tiger Von Eschnapur" de Fritz Lang - 1959


Mª José Morgado e Paulo Portas

  1. Mª José Morgado pode ter participado na conferência do PS sobre o aborto como cidadã e jurista, embora as suas opiniões só tenham peso em razão das funções que ocupou e ocupa.
  2. Paulo Portas pode estar a aproveitar essa situação para a sua campanha em favor do “não” no referendo - contrária à minha - embora com a sua intervenção só tenha contribuído para dar uma maior divulgação às afirmações expressas por MJM, contrárias às opções de PP.
  3. Manda o mais elementar bom senso que MJM, em função das suas responsabilidades num processo tão importante e sensível como o “Apito Dourado”, reduza as suas intervenções públicas e mediáticas ao mínimo indispensável, e necessário apenas à correcta prossecução das suas actuais tarefas no processo em causa.

História(s) da Música Popular (27)



"The Monotones" - "(Who Wrote) The Book Of Love
"The Dubs" - "Could This Be Magic"

Doo - Wop (II)

Se me perguntarem porque incluo aqui os “Dubs” (um grupo de vida curta vivida entre 1957 e 1958), não sendo um dos mais clássicos do "Doo Wop", a resposta só pode ser uma: porque gosto mesmo deste “Could This Be Magic”, um dos meus "Doo Wop" favourites. Pode ser? É uma fraqueza, reconheço! Os “Dubs” são um grupo maioritariamente sulista, do Alabama e das “Carolinas”. Apenas um dos elementos do grupo, Cleveland Still, era nova-iorquino.

Já os “Monotones” (um sexteto de Newark, New Jersey) são o típico “one hit wonder”, pois “(Who Wrote) The Book Of Love” foi o seu único sucesso, que os levou à fama e ao #5 do Billboard Hot 100 em 1958. Diz a lenda, ou a realidade destas coisas, que “Book Of Love” foi escrito inspirado no então jingle da Pepsodent “You’ll wonder where the yellow went”. Se o foi, não sei, mas é também um dos meus favoritos, num estilo um pouco mais “animado”... Pois aqui ficam os dois... for sentimental reasons.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Frederico García Lorca (5)

FGL - Portada de la primera edición de "Romancero Gitano", 1928

O Mundo em Guerra (23)

Japan

Ridículo!

Alguém me explica porque sendo civis – e devendo vincar essa mesma condição, num estado democrático e civilista (em que os militares estão subordinados a um poder civil democraticamente eleito) – os Ministros da Defesa dos governos de Portugal insistem sempre em fazer esta triste figura quando visitam os militares portugueses em missões no estrangeiro? É que não é de agora, o problema vem de há muito sem que ninguém lhes chame a atenção para o ridículo e inadequado da situação!

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Ainda "The Flags Of Our Fathers" - mais Rui Ramos, o Vietnam e o Iraque

Num interessante artigo publicado no “Público” de hoje (não linkável), e a propósito de “Flags Of Our Fathers”, Rui Ramos interroga-se sobre as razões que explicam as diferenças de comportamentos entre Iwo Jima, por uma lado, e o Vietnam e o Iraque, por outro; isto é, sobre o que terá havido em Iwo Jima e faltado no Vietnam e no Iraque. Penso que, de uma forma simples, existe algo que explica essas diferenças: vinte e cinco anos, no primeiro caso, e sessenta, no segundo. Expliquemo-nos melhor. A WWII é a última guerra dos nacionalismos, quando a “identidade nacional” era o cimento ideológico estruturante da guerra. No Ancien Régime – e Rui Ramos foca isso mesmo – a gerra era feita por profissionais. No entanto, Rui Ramos não acrescenta que esses eram a aristocracia, os "senhores" da terra, que para os seus exércitos “arregimentavam” aqueles que a cultivavam e que lhe deviam obediência. Era uma relação de “amo” e “servo”, e a razão para ambos lutarem era simples: a aristocracia, se perdesse, arriscava-se a perder as suas terras (a seguir a Aljubarrota, por exemplo, as terras dos nobres que lutaram do lado de Castela – e foram a maioria – foram distribuídas pelos fiéis do Mestre de Aviz, como D. Nuno Álvares Pereira) e os servos lutavam pelos seus senhores, a quem deviam obediência, que tinham sobre si o poder da vida e da morte. Se o seu senhor vencesse, poderiam daí retirar alguns benefícios; o contrário aconteceria se o seu senhor perdesse. De qualquer modo, lutavam porque essa era a sua única opção, e no campo de batalha, se saíssem com vida, ainda teriam alguma hipótese. Com a queda do Ancien Régime, a relação senhor/servo é substituída pela de pátria e cidadãos, e nasce o exército de “todo o povo” – “o povo em armas” -, com o recrutamento geral de cidadãos livres. O nacionalismo será, assim, o seu cimento ideológico, defendendo os “cidadãos” a sua “pátria”, identificada com o seu “modo de vida”, a sua cultura, a sua liberdade, pois sabem que o domínio do seu país pelo “estrangeiro” corresponderá necessariamente à sua subalternização, dependência e empobrecimento. À modificação e menorização dos seus hábitos de vida, mesmo. Mesmo quando os europeus, no século XIX, combatem e morrem pelas "suas" colónias, em África, é a superioridade das suas nações e dos seus impérios que está em causa, na medida em que isso significava o direito ao enriquecimento económico e subsequente bem estar do qual, embora de modo desigual, todos beneficiariam. O “fardo do homem branco” era, neste caso, cimento ideológico adicional, mas também as colónias constituíam um mundo de oportunidades para aqueles que não as tinham nos seus países de origem. È talvez na Inglaterra dos anos vinte do século passado que esta questão é pela primeira vez posta em causa, quando, na sequência da Grande Guerra vitoriosa, a aristocracia vê que a vitória lhe começa a custar o seu “modo de vida” (os “seus melhores” morrem na guerra) e a working class vê as suas condições de vida agravarem-se. É um pouco tudo isto que está em causa nas hesitações dos britânicos nas vésperas da WWII, procurando a paz a todo o custo. O britânicos desconfiam da guerra – dos benefícios que lhes possa trazer - e ninguém, aristocracia ou working class, está muito na disposição de a travar.

A interdependência entre estados, a velocidade de circulação de pessoas, bens e informação, a urbanização crescente tornando homogéneos os “estilos de vida” das nações e, mais tarde, a globalização, fazem desabar o nacionalismo como ideologia e tornam obsoletas as guerras entre nações. Por outro lado, o neo-colonialismo e a “influência” tornam as guerras coloniais resquícios de um passado distante, onde já não nos reconhecemos. A tecnologia, por outro lado, torna o custo das guerras globais incomportável e o das guerras locais difícil de suportar e de se justificar. Poucos já se reconhecem no nacionalismo, e ninguém pensa que as guerras possam melhor as suas vidas. Entretanto, o exército já não é o de “todo o povo”, mas o profissional, treinado e pago, por vezes visto como um corpo estranho pelos seus concidadãos. Por último, a guerra entra-nos em casa, em directo, sem a mediação de fotografias como a de Iwo Jima. Foi isto que mudou nos vinte e cinco e sessenta anos que medeiam entre a WWII e o Vietnam e o Iraque. Foi por isto, Rui Ramos, que falhou a glorificação da soldado Jessica Lynch, ou melhor, foi isto que tornou impossível essa mesma glorificação, como tornará agora qualquer outra semelhante. É também isto que tornará Iwo Jima e a fotografia do monte Suribachi irrepetíveis.

Clássicos do Cinema (21)

"Dr. Mabuse, der Spieler" de Fritz Lang (1927)

Outras Músicas (15)

Carlos Gardel (1890 - 1935) - "La Cumparsita".

Clássicos do Cinema (20)

"Das Testament des Dr. Mabuse" de Fritz Lang (1933)

Sugestões da "saison" para melhorar Portugal

Há alturas em que a vida não se pode levar muito a sério. Portugal, por seu turno, raramente se deixa assim levar – e não merece que o façam. Portanto, dentro deste espírito da saison que por aí espreita aqui vão duas pequenas sugestões para melhoras a nossa vida e a da pátria que alguns dos meus antepassados escolheram.

  1. Que tal tornar Sintra um principado independente? Claro que tinham de se redefinir as fronteiras, restringindo-as às zonas nobres e tirando de lá as “amadoras” que se foram criando, mas a ideia parece-me ter pés para andar. Punha-se o Senhor Dom Duarte no trono, havia o palácio de verão (o da vila) e o de inverno (o da Pena), já tem um festival de música, ressuscitava-se a “Rampa de Pena” e o Rally – mais o Grande Prémio ali ao lado no Estoril – pedia-se mais um casino ao Sr. Stanley Ho, emitiam-se uns selos com ilustrações de camélias (a flor oficial), dava-se ao Dr. Seara um clube de futebol para gerir (sem adeptos mas com dinheiro, como o do Mónaco) e fundar-se-ia uma empresa, imitando as municipais, do tipo "Societé des Bains de Mer" encarregue da gestão da coisa. Por fim, conceder-se-iam royal warrants a alguns produtos da região como as queijadas “Sapa”, o desaparecido vinho de Colares ou as “bolas de berlim” do “lá vou eu” da Praia Grande. Ah, e talvez se pudesse fazer “conde” aquele senhor Câmara Pereira, como reconhecimento de ter dado uma boa ajuda para nos vermos livres da Drª Edite. Ponto fraco do projecto: falta-nos a Grace, a Srª Dona Isabel que me desculpe e sem qualquer tipo de menosprezo, evidentemente. Mas talvez se conseguisse combinar um casamento a condizer para um dos Infantes... Que tal?
  2. E já que estamos no “que tal?”, que tal uma rede de restaurantes portugueses para combater as hamburger houses, pizzerias, croissanterias e quejandas? Ou também os bares de “tapas” não me vão agora acusar de iberismo, pois claro. Em regime de franchise, está bem de ver, com o estado como master franchise, nem vejo hipótese de ser de outra maneira. O layout e imagem seriam simples, assim decalcados daqueles restaurantes a que os portugueses chamam de regionais, com um balcão com beiral, chão de tijoleira, résteas de alhos e “chouriças” penduradas, azulejos com “dizeres” apropriados do tipo “cá em casa só se fia a maiores de 99 anos acompanhados pelos respectivos pais” (versão “saloia” do “in god we trust all the others pay cash”), toalhas e guardanapos de papel (obrigatório), canjeirões de vinho oxidado e o resto deixo à vossa imaginação, desde que as casa de banho estivessem sempre por limpar. E o que se serviria? Está bem de ver: umas "malgas" de sopa de feijão encarnado com couve portuguesa e massa “manga de capote”, sanduíches de torresmos, couratos com a “barba mal feita”, “miaus” com a maior percentagem possível de gordura e entrecosto com feijão. Quem não quisesse vinho poderia beber uma “mine” e como sobremesa o “molotof” que não é português mas é como se fosse: é como no tempo dos meus pais e avós se dizia dos indígenas das colónias que escreviam e falavam português: assimilado. Único digestivo autorizado: bagaço. E não haveria música de fundo nem "juke box", sendo o ruído proporcionado pelo barulho do lavar dos pratos, pela televisão ligada, bebés a chorar e animados jogos de matraquilhos. É começar. É começar. "Oh, simpáticos, vai um tirinho"?!

terça-feira, janeiro 16, 2007

Que modelo para Portugal?

A propósito desta notícia, confesso a minha perplexidade pela desorientação ziguezagueante de que os governantes portugueses dão prova, e, assim, transmitem para à opinião pública, sobre o modelo de desenvolvimento julgado adequado para o país. É que “ele” foi a Irlanda (mais ao gosto da direita, pois teve na sua base uma certa desregulamentação do mercado de trabalho e diminuição dos impostos para as empresas) “ele” foi a Finlândia (e aqui a esquerda rejubilou pois possibilitava a manutenção de altos níveis de protecção social) e agora parece que a Índia já “entrou na dança” e o que mais adiante se verá. Talvez Tonga e Samoa. Espanta-me ? Não, porque a falta ou déficit de pensamento e acção estratégicas é algo inerente à condição dos portugueses, talvez porque temos pouco de empreendedores e gestores e mais de Oliveiras da Figueira, comerciando pela "oportunidade de negócio” onde quer que se proporcionem lucros de curto prazo. Compra aqui, vende ali, é a “vidinha”. Pelo meio ganha-se algum. É a “rota da Índia”, pois claro, não a desta, a actual, mas a da pimenta e do gengibre. Mas terá sido sempre assim? Sinceramente, acho que não. No século XV, depois das hesitações entre o “celeiro” do norte de África e a rota da Índia – reflexo da luta entre a burguesia ascendente, do negócio, e a aristocracia da “terra” – a estratégia foi clara e sem hesitações, só interrompida pela loucura sebastiânica, assim como um governo Santana Lopes avant la lettre. Esgotado o assunto, com a união das coroas ibéricas sob a égide dos Habsburgos, também me parece que a estratégia “para o Brasil rapidamente e em força” foi inquestionável e inquestionada (ou quase). Bom, fiquemo-nos por aqui, no que diz respeito a comparações, até porque os meus conhecimentos de História de Portugal são pouco mais dos que os de um amador interessado. E, no entanto, não parece muito difícil: basta analisar a situação presente, as suas forças e fraquezas, oportunidades e ameaças (aquilo que se designa por análise SWOT), e definir, nessa base, uma estratégia. Nada de estranho, portanto, que as empresas organizadas não façam. E definir planos de acção em conformidade. Ah, mas há a política! Pois é, mas, ao seu nível, nas empresas também. Recomendação: seria bem mais interessante que, no futuro, algum país, talvez como a Moldávia ou a Geórgia, se debruçasse sobre o modelo de desenvolvimento que tinha conduzido Portugal ao sucesso. Que tal?

Fotografias (6)

"Cadeira" - Fotografia de JC

História(s) da Música Popular (26)





"Doo Wop" (I)

Estou certo que a grande maioria dos leitores e ouvintes (sim, que isto dos blogs serve a vários sentidos), ao lerem a expressão, com uma vaga ressonância "onomatopeica", que encabeça este post, vai perguntar-se: “doo wop"?; mas que raio de coisa é essa? E terá razão, claro, pois o “doo wop” é um género musical, dentro da música popular, que teve muito pouca repercussão e foi quase desconhecido em Portugal e na Europa. No outro extremo da escala, lá virão os meus amigos e conhecidos dizer, mais uma vez, “pronto, lá vem ele com o “doo wop”! Razões para este quase desconhecimento? Não sei bem, mas talvez por se tratar de um género musical a “contra ciclo”, cujos anos de glória coincidem (imagine-se), na sua maior parte, com os do rock & roll e "derivados". A “contra ciclo”? Claro, porque o “doo wop” é harmonia vocal e melodia. Suavidade, onde o r&r era ritmo e trepidação. É classicismo onde o r&r era inovação. Estava do lado das convenções, enquanto o r&r as desafiava. Pronto, mas lá perguntarão vocês: “está bem, mas que raio é isso de “doo wop”? Bom, vamos lá tentar uma explicação, que a coisa não é simples. A expressão “doo wop” não é de facto uma onomatopeia, já que não pretende expressar por escrito nenhum som incapaz de ser transmitido por palavras, tal com “boom”, “schuaapp” ou “vrooom”. É, isso sim, qualquer coisa mais parecida com os bem conhecidos “lá, lá, lá” ou “oh, oh, oh, yééé”, sílabas cantadas que não têm qualquer significado real. Pretende, pois, imitar o som dessas sílabas cantadas por grupos de negros (os brancos, no entanto, também acabaram por aparecer por lá), normalmente quartetos ou quintetos, que interpretavam “à cappella” canções de, habitualmente, melodias suaves e em que a harmonia vocal era regra, portanto. Tinham nomes que, em 90% dos casos, os identificavam de imediato como “cultores” do género, tais como “Flamingos”, “Monotones”, “Moonglows”, “Cleftones”, “Cadillacs” e por aí fora. Tudo isto se passava maioritariamente na “East Coast” dos USA e diz aqui um dos meus CD’s (“Roots Of Doo Wop”), dos cerca de uma dúzia que por aqui existem, que talvez a primeira gravação assumidamente do género tenha sido “She’s Gone” dos Dozier Boys”, em 1949! No entanto, já antes disso grupos como os “Ink Spots” e os “Mills Brothers” faziam “coisas do género” e o período de ouro do “doo wop” situa-se basicamente entre 1953/54 e o início da década de sessenta. Em Portugal, aquilo de mais ou menos parecido que se tornou mais conhecido foram os “Platters”, do manager Buck Ram, que no entanto foram apenas uma versão mais comercializável de grupo vocal, já nas “margens” do "doo wop” autêntico. Os grupos multiplicaram-se como coelhos (ou devo dizer que cresceram como cogumelos?), já que o investimento necessário era escasso (a voz fazia quase tudo) e isso servia também, "às mil maravilhas”, a produtores e etiquetas, que se fartavam de poupar em orquestras e músicos de estúdio. Esclarecido o assunto, já que por aqui vamos ficar durante alguns tempos, por onde vamos começar? Não vou seguir uma ordem cronológica, neste caso sem um sentido especial, e comecemos pois por algo que é um bom exemplo do género: “(I'll Remember) In The Still Of The Night” dos “Five Satins” de Fred Parris, gravado em 1956 na cave de uma igreja católica de East Haven, Connecticut. É considerada uma das músicas que dá o nome ao “género”. Quer saber porquê? É só ouvir!!!

PS: Para ter uma ideia geral sobre música "Doo Wop", sem gastar muito dinheiro (gastando mesmo muito pouco), recomendo: "For Sentimental Reasons" - 28 doo-wop classics (Instant)

segunda-feira, janeiro 15, 2007

A Guerra Aqui (mesmo) Ao Lado (11)

Cartaz de Espert i Briones para a "OOR i ME" (1937)

Milly Possoz e o "Estado Novo" (13)

Ilustração de Milly Possoz para "Doutrina Cristã", 2ª parte de "O Livro da Segunda Classe" (1958)

As "Evasões" da TSF

O processo de “tablóidização” da TSF não é de agora, nem sequer dos últimos tempos. Aliás, não é mesmo nada que não acompanhe a tendência generalizada da imprensa portuguesa, como se tem visto pela evolução do “Expresso” e o “nascimento” do “Sol”. Bom, mas o que já me parece muito pouco sério é que a TSF trate como rubricas “jornalísticas” aquilo que não passa, pura e simplesmente, de publicidade encapotada. Está neste caso a rubrica “Evasões”, uma colaboração da TSF com a revista do mesmo nome transmitida de segunda a sexta feira e onde se sugerem vinhos, restaurantes, passeios de fim de semana e etc. Um pouco mais decência e seriedade, seria pedir muito?

Anglophilia (24)







J. Barbour & Sons Ltd.




domingo, janeiro 14, 2007

Os erros de José Mourinho

Sou um admirador confesso de José Mourinho. Mais, acho que a sua importância e a da sua personalidade transcendem em muito o campo limitado do futebol, enquanto actividade profissional e mediática, e são mesmo um excelente exemplo extrapolável para outras actividades e base sólida para análises mais alargados do comportamento geral dos portugueses. Mourinho é a antítese do português médio: é rigoroso e persistente; acredita no trabalho organizado e metódico; é estudioso e perfeccionista; faz prevalecer a estratégia sobre a táctica; acredita no grupo enquanto estrutura, com um "leader" e e sub-leaders, com uma hierarquia. Cultiva a imagem e tem a arrogância de quem se reconhece com valor, face à “humildade” (muitas vezes falsa) que o português típico gosta a apregoar como sua qualidade. Tem convicções de que dificilmente abdica. Por último, alicerça o seu “carisma” na base sólida que todas estas características configuram.

Dito isto, lembro-me de dizer, no círculo restrito dos meus amigos mais ligados a estas coisas da “bola” e quando os jornais discutiam as suas possíveis opções “Chelsea” ou “Liverpool”, que Mourinho tinha feito uma má escolha. Primeiro, porque o Chelsea é um clube sem “heritage”, sem a tradição e “cultura” de um Manchester United, Arsenal, Liverpool ou até mesmo de um Newcastle United, sem querer estar a ser exaustivo. Mesmo restringindo-me a Londres, o Chelsea será quando muito o terceiro clube, depois do Arsenal e Tottenham, ou talvez o quarto, se incluirmos o West Ham que eu conheço pior pois as minhas andanças londrinas nunca me levaram muito para os lados, demasiado excêntricos, de Upton Park. Ao escolher o Chelsea de Abrahamovich, Mourinho arriscaria a entrar numa “bolha” que poderia vir a rebentar cedo, por inchar demasiado. Por outro lado, devo dizer que desconfio do “dinheiro novo”, mais a mais - no caso - de origens mais do que duvidosas, normalmente ligado a modelos de gestão (não sei se posso chamá-los assim) demasiado pessoalizados e caprichosos, volúveis e erráticos, centralizados e dependentes de uma vontade mais do que de uma qualquer lógica. Tudo isto já se voltou contra Mourinho na “Champions League”, com algumas arbitragens um pouco duvidosas. Não pelo “efeito” José Mourinho, como a maioria dos jornais portugueses quiseram fazer crer com a sua proverbial magalomania de achar que Portugal é importante e quase o centro do mundo, mas pelo facto de ser o Chelsea de um tal Roman Abrahamovich. E este Abrahamovich será, com certeza, uma personalidade forte e dominante. Demasiado presente. Quanto tempo demorará até ela se chocar com a de José Mourinho?

Passando aos factos mais recentes, para agravar a situação parece que Mourinho decidiu abandonar aquele que era um dos princípios basilares do seu modelo de gestão, mantido, com as devidas distâncias orçamentais, no FCP e no Chelsea: contratar bons jogadores, para um determinado modelo de jogo, mas não as chamadas grandes estrelas. Depois, maximizar a sua performance, inculcando-lhe os seus princípios de jogo, à partida muito bem definidos. Se Ricardo Carvalho, Arjen Robben ou Didier Drogba, por exemplo, já eram jogadores reconhecidos internacionalmente, não eram estrelas de primeira grandeza do futebol mundial. O mesmo em relação a jogadores como John Terry e Frank Lampard. Com a contratação, forçada ou não, de Michael Ballack e Adreji Shevchenko, Mourinho transmite a ideia de ter abdicado desses princípios. Pela mesma razão, parece também ter posto de parte o seu conceito de grupo enquanto entidade orgânica, dotada de uma estrutura e com uma hierarquia de valores. Neste caso, é John Terry que a vem tentar repor, fora de campo, e de quem José Mourinho publicamente afirma espera também a tente repor dentro de campo. Todos estes factos enfraquecem a sua posição. O querer forçosamente ir ao mercado e mostrar-se publicamente agastado por não o poder fazer é sinal de desnorte. Back to the basics, seria um bom conselho.

"Flags of Our Fathers" (2)

“Flags Of Our Fathers” é o menos interessante dos últimos Eastwood. Uma “desmontagem” sobre o modo como as sociedades (neste caso a americana) “fabricam” os seus heróis (e sobre o conceito de herói, ele mesmo), os usam e “descartam” de seguida. Nada disto é novo e a abordagem também não o é. De resto, estão lá os clichés todos: o “herói” que afinal nem participou (lembrei-me do “Liberty Valance” de Ford e Luís Miguel Oliveira, do “Público”, também – é sempre reconfortante estar em boas companhias), o índio “herói” (o único efectivamente combatente), o mais “puro” e “honesto de todos , claro, a sofrer de stress de guerra e a arrostar com o racismo da América dos forties, a “hipocrisia” e oportunismo dos políticos face a uma certa “simplicidade” de valores dos combatentes. A “estranheza” desses combatentes perante a face política e propagandística da guerra, como se temessem de antemão o terreno "minado" que pisam. Fundamentalmente, valem as cenas de guerra, em que já nada é o que era depois de Spielberg ter “desembarcado” em Omaha Beach, e o cinzento/negro das cinzas de Iwo Jima impregnando todas essas sequências como se fosse essa a cor da guerra. Uma certa decepção, portanto, porque de Eastwood se espera sempre o melhor. E é isso que espero de “Cartas de Iwo Jima”, coming soon to a theatre (ou theater, se preferirem) near you.

"Que floresçam mil flores"... (1)


sábado, janeiro 13, 2007

Francisco Louçã e a IVG

Segundo o “Público” de hoje (edição on-line), Francisco Louçã ter-se-á mostrado indignado, durante um comício realizado em Faro, pelo facto de, segundo o próprio Louçã, Bagão Félix estar a levar a cabo uma campanha a favor do “não” no referendo sobre o aborto “financiada por milionários anónimos”. Gostaria de dizer o seguinte:
  1. Votarei sim, convictamente, no próximo referendo, como já o fiz em 1998.
  2. Sou de opinião que os Estado deve providenciar para que as mulheres que desejem abortar, dentro da lei, o possam fazer nos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde em condições idênticas, nomeadamente no que se refere ao seu custo, às disponibilizadas para outro tipo de intervenções. Só assim se poderá combater eficazmente o aborto clandestino.
  3. Considero que uma boa parte da argumentação que tem sido utilizada por alguns grupos de cidadãos defensores do “não” é demagógica e não coloca a discussão numa base séria e esclarecedora.
  4. Tendo dito isto, considero que o cidadão Bagão Félix (ou outro qualquer – cidadão ou movimento reconhecido) tem todo o direito de utilizar os meios financeiros que conseguir angariar, dentro das normas previstas na lei, para realizar a sua campanha, demagógica ou não, a favor do “não”. Como o têm, também, os cidadãos e movimentos pelo “sim”, onde me incluo - e parece que também Francisco Louçã.
  5. Mais ainda – e embora eu discorde frontalmente do cidadão Bagão Félix quanto ao argumento (que considero demagógico) dos custos das IVG’s realizadas dentro da lei - não me parece que exista qualquer incoerência entre ele utilizar dinheiro privado, que angaria, na defesa do “não” e defender a não utilização de financiamento público numa questão que tem a sua oposição de princípio.
  6. Com afirmações como as proferidas em Faro, Francisco Louçã está não só a pôr em causa princípios de liberdade do Estado Democrático, que diz defender, como a prejudicar objectivamente aquilo por que se diz bater: a vitória do “sim” no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro.

As Capas de Cândido Costa Pinto (23)

Capa de CCP para "Estranha Maldição" ("The Dain Curse") de Dashiell Hammett, nº 64 da Colecção "Vampiro"